Democracia não é extremismo, é lucidez

Nas últimas semanas, compartilhei duas reflexões que considero essenciais para o tempo em que estamos vivendo.
Primeiro, falei sobre como a democracia não se sustenta sozinha, ela precisa ser cultivada ativamente, todos os dias.
Depois, escrevi sobre como nossas pequenas ações e conversas do cotidiano podem e devem expressar esse compromisso democrático.
Agora, quero abordar talvez o ponto mais espinhoso de todos.
Como defender a democracia em um mundo em que o próprio conceito está sendo distorcido e, muitas vezes, até ridicularizado.
Porque, sim, chegamos a um ponto em que o simples ato de sustentar uma postura democrática já te coloca em risco de ser rotulado, isolado ou até descredibilizado.
O jogo agora é outro
Há pelo menos 20 anos, o mundo está passando por uma onda clara de autocratização. Vem aos poucos, quase como um roteiro que se repete com diferentes personagens em diferentes países. E quem acompanha isso de perto já aprendeu a reconhecer os sinais.
O problema é que, ao apontar esses sinais, muitas vezes somos taxados de alarmistas. Como se estivéssemos exagerando, vendo problema onde “ainda” não há ou pior, que precisamos nos adaptar a essa nova realidade.
Mas quem estudou o padrão sabe que a erosão democrática começa assim mesmo, com desprezo pelas normas, ataques à imprensa, desconfiança fabricada nas instituições e a tentativa constante de deslegitimar qualquer oposição.
E quando você reage, dizem que você está atrapalhando, que é preciso dar “tempo ao governo”, que você “não aceita o resultado das urnas”, "que é bom alguém que vai mudar tudo assim mesmo”.
Parece familiar?
Pois é. Quem defende valores democráticos com consistência acaba colocado em uma caixinha, muitas vezes a da “esquerda”. Mesmo quando você não está defendendo um grupo, mas princípios como liberdade, transparência, respeito às instituições, diversidade e diálogo.
Isso acontece porque, infelizmente, a “esquerda” foi uma das principais vozes responsáveis por sequestrar e distorcer o significado de democracia, muitas vezes confundindo-a com um projeto ideológico específico.
Isso deixou o centro democrático desprotegido, invisível e até desacreditado.
Defender democracia virou, para muitos, um ato de “militância”. E não deveria ser assim.
O preço
Manter uma postura democrática clara tem, sim, um custo.
Às vezes, é preciso fazer escolhas duras: recusar projetos, sair de grupos, se afastar de certas pessoas. Com o tempo, vamos ficando mais seletivos com os espaços que ocupamos e com as relações que mantemos. Nem sempre por vontade, mas por necessidade, simplesmente não dá mais para compartilhar tempo, energia ou confiança com quem relativiza princípios fundamentais.
E isso, honestamente, machuca.
Porque todos nós temos o desejo de pertencer, de fazer parte. Mas não vale a pena se encaixar num grupo só para não estar sozinho. Hoje, mais do que nunca, defender a democracia exige coragem, inclusive a coragem de bancar essa certa solidão inicial.
No ambiente profissional, o desafio se repete. Em áreas como inovação, tecnologia ou educação, que dependem diretamente de liberdade e confiança, a gente se vê, por vezes, tendo que medir palavras para não parecer “ideológico”, ou para não gerar ruídos em parcerias que evitam esse tipo de conversa.
A simples noção de que empresas precisam de um ambiente democrático para operar com segurança e previsibilidade virou, em alguns contextos, um tema “sensível”. Quando, na verdade, deveria ser um consenso.
Mas aqui vem o outro lado.
Ao mesmo tempo em que esses posicionamentos nos afastam de certos espaços, eles também nos aproximam de outros. Começamos a criar redes mais autênticas, mais horizontais, mais inovadoras. Relações baseadas em confiança real, em valores compartilhados e em liberdade de pensamento.
Sim, tem um preço. Mas também tem uma construção.
Um novo tecido social e profissional feito por pessoas que, mesmo em tempos difíceis, não abrem mão da clareza, da responsabilidade e da imaginação democrática.
E esse é um terreno fértil demais para ignorarmos.
A palavra foi sequestrada, mas não há alternativa
A verdade é que a palavra “democracia” foi sequestrada. Há um esforço articulado, em várias partes do mundo, para esvaziá-la de sentido.
Autocratas e seus entornos tentam redefinir o termo a seu favor, enquanto desacreditam quem se posiciona em sua defesa.
Democracia virou algo relativo, manipulável…
“Democracia é coisa do passado”, "Democracia não entrega”, "Democracia não funciona” ou “A minha democracia é a certa”.
Mas não tem outro jeito. Precisamos recuperar essa palavra. Sustentar seu verdadeiro significado.
Democracia não é uma marca. Não é uma estratégia.
Democracia é a base que permite que divergências existam sem que uns precisem eliminar os outros.
Quem está vendo o futuro não é alarmista, é lúcido
Reconhecer os sinais antes que seja tarde não é exagero, é lucidez.
Defender a democracia, hoje, não é se colocar num extremo. Pelo contrário, é tentar manter de pé aterrado. O espaço onde o diálogo é possível, onde o Estado não manda na opinião, onde a imprensa é livre e as pessoas podem viver com dignidade, mesmo que pensem diferente.
O que está em jogo não é um governo, um partido ou um ciclo político. É o tecido que permite que todos esses existam e se alternem em paz.
E talvez seja essa nossa tarefa mais urgente agora, não desistir do nome, não abrir mão da clareza, não aceitar que defender a democracia seja visto como algo radical.
Porque, no fundo, é só lucidez. E coragem.
O fenômeno é mundial mas aqui no Brasil ele coincide com a famigerada “Era Lula”, com o domínio da quadrilha petista de assaltantes de cofres públicos que, não bastasse assalto sistemático, ainda vende a ideologia do século 19, que nunca deu certo. O negócio é tão ruim que elegeu, apenas por contraponto, uma anomalia humana como Bolsonaro, que lidera outra quadrilha, a dos golpistas adoradores de pneus.
Excelente artigo!